Papa equipara consequências das "guerras financeiras" às dos conflitos armados

O Papa considera que as guerras "invisíveis" que se travam nos sectores da economia e das finanças não são menos cruéis que os conflitos bélicos. "Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas", afirma Francisco na sua mensagem para o dia mundial da paz, que se assinala a 1 de Janeiro.

"Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres", escreve o Papa.

"Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos", acrescenta Francisco. 

Na mensagem que divulgou esta quinta-feira, o Papa dá seguimento a críticas que tem feito ao longo do seu pontificado, onde tem realçado que a crise financeira tem raízes na crise moral e que também se resolve fortalecendo a família

No texto que divulgou para o dia mundial da paz, Francisco faz questão de citar os seus antecessores. "A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável se estiver viva, em todos, 'a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum'. Isto implica não deixar-se guiar pela 'avidez do lucro' e pela 'sede do poder'. É preciso estar pronto a 'perder-se' em benefício do próximo em vez de o explorar e a 'servi-lo' em vez de o oprimir para proveito próprio", sustenta Francisco. 

"O 'outro' - pessoa, povo ou nação - [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso 'semelhante', um 'auxílio'", refere o Pontífice, citando novamente uma encíclica de João Paulo II. 

Na mesma linha, Francisco recorre a Bento XVI e à sua encíclica "Caritas in Veritate". "As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do "descartável' que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados 'inúteis'." 

Socorrendo-se de Paulo VI, Francisco alertou para a necessidade de não se esquecer o dever de solidariedade, "que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas", e o dever de justiça social, "que requer a reformulação, em termos mais correctos, das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos". O Papa mencionou também "o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros". 

A mensagem de Francisco não se fica por considerações gerais, apelando a "políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas - iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais - acesso aos 'capitais', aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa". "Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento", sublinhou.

Apesar de tudo, o Papa referiu que a actual crise deve também ser vista como uma oportunidade para repensar modelos em vigor. "As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise actual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual."

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